Por Rodrigo Soares Lopes – Psicólogo, educador, facilitador e Coordenador Educacional do AFS Brasil

Um presidente é eleito e decide cortar as bolsas de estudos para estrangeiros nas universidades de seu país. Uma guerra eclode no leste europeu e o preço da gasolina sobe, elevando também o custo dos alimentos no Brasil. Uma enchente sem precedentes destrói lavouras de arroz, feijão, soja e milho no Rio Grande do Sul, acarretando um impacto significativo no PIB do país.

Entender como esses fatos geopolíticos e climáticos mundiais se inter-relacionam, e compreender as consequências deles sobre a vida de cada um de nós, faz parte do que é ser um Cidadão Global Ativo. Mas, enquanto educadores, como podemos trazer isso para a realidade dos nossos alunos? Como podemos estimulá-los a fazer as conexões necessárias para que reflitam e atuem para a melhoria de suas comunidades, bairros e cidades?

Este é o desafio (e a importância) da Educação para a Cidadania Global (ECG), que convido você a explorar nas próximas linhas.

O que é, afinal, Educação para a Cidadania Global?

Segundo a UNESCO, Educação para a Cidadania Global é uma abordagem pedagógica que busca formar indivíduos conscientes, críticos, empáticos e engajados com o mundo em que vivem. Mais do que informar, trata-se de desenvolver a capacidade de pensar de forma sistêmica, agir com responsabilidade e participar de decisões que impactam a sociedade local e global.

A ECG propõe que os estudantes sejam capazes de:

  • Compreender as interconexões entre eventos globais e sua vida cotidiana;
  • Valorizar a diversidade cultural e os direitos humanos;
  • Envolver-se ativamente em ações para um mundo mais justo, sustentável e pacífico.

Não se trata de uma nova disciplina, mas de um olhar transversal que pode (e deve) permear todas as áreas do conhecimento, dos projetos pedagógicos aos espaços de convivência e cultura escolar.

Por que precisamos formar cidadãos globais agora?

Porque os problemas enfrentados por esta geração não reconhecem fronteiras. As crises climáticas, os fluxos migratórios, as pandemias e as tensões políticas e econômicas estão cada vez mais interligadas. Ao mesmo tempo, a polarização, a desinformação e o discurso de ódio desafiam a construção de sociedades mais justas e solidárias.

É nesse cenário que a Educação para a Cidadania Global se torna urgente e estratégica. Formar cidadãos globais significa preparar jovens para viver num mundo diverso, incerto e interdependente — não apenas como espectadores, mas como protagonistas de mudanças.

A UNESCO propõe três dimensões fundamentais para a ECG:

  1. Cognitiva: Capacita os estudantes a compreender questões globais e reconhecer como elas impactam sua vida pessoal e comunitária. Trata-se de desenvolver pensamento crítico sobre temas como direitos humanos, mudanças climáticas, economia global, migração e paz.
  2. Socioemocional: Busca cultivar valores e atitudes como empatia, respeito à diversidade, senso de justiça e solidariedade. Envolve a escuta ativa, o diálogo e a valorização de múltiplas perspectivas.
  3. Comportamental: Estimula os alunos a se engajarem em ações locais e globais, com consciência ética e responsabilidade social. Não basta entender o mundo: é preciso agir para transformá-lo.

Neste sentido, a Agenda 2030 da ONU (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), estabelece como uma de suas metas (ODS 4) que todos os estudantes adquiram competências para:

  • A promoção do desenvolvimento sustentável;
  • A defesa dos direitos humanos e a igualdade de gênero;
  • A valorização da cultura de paz e a diversidade cultural;
  • O exercício pleno da sua cidadania global.

Portanto, a Educação para a Cidadania Global se configura como uma ponte entre o currículo escolar e os desafios do século XXI. E integrá-la ao projeto pedagógico da escola é uma forma de posicioná-la como agente de transformação social.

E é possível começar com pequenas mudanças, como por exemplo:

  • Criar projetos interdisciplinares que relacionam problemas locais com contextos globais;
  • Incentivar o debate e a escuta sobre temas controversos e complexos;
  • Utilizar mídias internacionais, dados de organismos multilaterais e vivências culturais diversas;
  • Estabelecer parcerias com escolas de outros países, inclusive de forma virtual;
  • Convidar estudantes a planejarem e executarem ações comunitárias com impacto social e ambiental.

Essas estratégias não exigem grandes recursos, mas sim intencionalidade pedagógica e abertura ao novo.

O que o AFS Brasil tem feito pela ECG?

O AFS Intercultura Brasil é uma das organizações que se destacam na promoção da Educação para a Cidadania Global no país. Em parceria com educadores e escolas de diferentes regiões, o AFS oferece ferramentas, formações e experiências para fomentar a interculturalidade, o protagonismo juvenil e o pensamento crítico:

  • Certificação em Competências Globais (GCC) – Programa online de desenvolvimento para educadores, voltado para a formação de competências interculturais. Com reconhecimento internacional, o GCC capacita profissionais da educação para atuar com ECG de maneira eficaz e alinhada às diretrizes globais.
  • Índice de Competências Globais – Ferramenta de autoavaliação institucional que permite que escolas compreendam em que estágio estão em relação às práticas de ECG e quais caminhos podem seguir para avançar nesse caminho.
  • Programa Educadores com Causa – Programa de mobilidade internacional para professores da rede pública e privada, que vivenciam experiências em uma imersão cultural e retornam às suas escolas com novos repertórios e projetos transformadores.
  • Palestras, oficinas e consultorias pedagógicas – O AFS também realiza formações presenciais e online em escolas (tanto para estudantes, como para o corpo docente), promovendo reflexões sobre cultura de paz, inclusão, diversidade e aprendizagem global.

Pensar globalmente, agir localmente

A Educação para a Cidadania Global não é um modismo, nem muito menos, um luxo. É uma resposta necessária a um mundo em constante transformação. Ao integrar a ECG ao currículo, ao clima escolar e às práticas pedagógicas, educadores fortalecem a formação integral dos estudantes — e ajudam a construir comunidades mais empáticas, justas e sustentáveis.

Como bem resume a UNESCO, “educar para a cidadania global é formar pessoas que se importam com o mundo e com as pessoas que nele vivem — e que se sentem responsáveis por fazer algo a respeito disso”.

Para saber mais:

AFS Intercultura Brasil. https://afs.org.br

ONU Brasil. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – Agenda 2030. https://brasil.un.org/pt-br/sdgs

UNESCO. Global Citizenship and Peace Education – What you need to know. Disponível em: https://www.unesco.org/en/global-citizenship-peace-education/need-know